Bom dia!!
BRINCADEIRA
Começou como
uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:
- Eu sei de
tudo.
Depois de um
silêncio, o outro disse:
- Como é que
você soube?
- Não
interessa. Sei de tudo.
- Me faz um favor.
Não espalha.
- Vou
pensar.
- Por amor
de Deus.
- Está bem.
Mas olhe lá, hein?
Descobriu
que tinha poder sobre as pessoas.
- Sei de
tudo.
- Co-como?
- Sei de
tudo.
- Tudo o
quê?
- Você sabe.
- Mas é
impossível. Como é que você descobriu?
A reação das
pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
- Alguém
mais sabe?
- Outras se
tornavam agressivas:
- Está bem,
você sabe. E daí?
- Daí nada.
Só queria que você soubesse que eu sei.
- Se você
contar para alguém, eu...
- Depende de
você.
- De mim,
como?
- Se você
andar na linha, eu não conto.
- Certo
Uma vez,
parecia ter encontrado um inocente.
- Eu sei de
tudo.
- Tudo o
quê?
- Você sabe.
- Não sei. O
que é que você sabe?
- Não se
faça de inocente.
- Mas eu
realmente não sei.
- Vem com
essa.
- Você não sabe
de nada.
- Ah, quer
dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
- Não existe
nada.
- Olha que
eu vou espalhar...
- Pode
espalhar que é mentira.
- Como é que
você sabe o que eu vou espalhar?
- Qualquer
coisa que você espalhar será mentira.
- Está bem.
Vou espalhar.
Mas dali a
pouco veio um telefonema.
- Escute.
Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.
- Aquilo o
quê?
- Você sabe.
Passou a ser
temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
- Você
contou pra alguém?
- Ainda não.
- Puxa.
Obrigado.
Com o tempo,
ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com
uma oferta de emprego. O salário era enorme.
- Por que
eu? – quis saber.
- A posição
é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
- Por quê?
- Pela sua
discrição.
Subiu na
vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos mas nunca abria a boca para
falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um
telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
- Sei de
tudo.
- Co-como?
- Sei de
tudo.
- Tudo o
quê?
- Você sabe.
Resolveu
desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento
repentino. Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto
numa praia distante. Os vizinhos contam que uma noite vieram muitos carros e
cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os
visinhos contam que a voz que se ouvia era a dele, gritando:
- Era
brincadeira! Era brincadeira!
Foi
descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas
que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.
Sabia
demais.
Luís Fernando
Veríssimo. Comédias da Vida Privada. Porto Alegre: L&PM, 1995, p.189-91)
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